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Thursday 20 October 2022

Sou da Tribo dos Poetas

                       



Sou da tribo dos poetas 

dos desalinhados 

dos equilibristas a viver 

os desequilibrios do mundo. 


Os que preferem os pés 

a enterrarem-se em diagonais na areia

à certeza do asfalto ou à aridez do betão, 

a esquadrinhar por dentro a alma 

e a vida da gente.


Sou dos que se comovem com a inclinação perfeita 

da elipse do voo


Que olham maravilhados o desenho que a imaginação 

risca no céu.


Para quem tudo é agora: 

o gosto da comida na boca,

a memória do gosto. 


Como antepassados

que voltam sempre a visitar-nos 

(ou nunca chegam a partir

apenas fazem elipses mais vastas nos seus voos).




[O recorte na paisagem a encaixar de forma tão precisa 

no que estamos a sentir]



Somos movidos a energias 

renováveis - tudo se move 

e tudo é constante -

intensidades de azuis e neblinas

águas frias e moinhos de vento

norte nora sul seca

chamas sinos braços

amparo

colo

tudo

nós

Nós.



      Agosto 2022

Tuesday 23 March 2021

Menina dos Olhos de Oxum


Nas águas claras 

do meu corpo de Oxum

eu brinco e lavo a minha

sede, desfaço e refaço

O meu colar de pérolas


Mergulho fundo e me renovo

sempre mais, por isso me vês assim,

jovem, com um sorriso nos lábios

e outro no ventre.


Contra mim nada podes, porque sou eu


  • senhora de mim.

Se me olhas, devolvo-te o olhar,

se me falas, pergunto mais,

se me tocas, desfaço-me em 

água de cachoeira e ficas tu

prisioneiro desse meu néctar doce

de puro mel.



Eu sou espelho, eu sou vida

eu sou luxo de se querer bem.





RED BOOK, Nov. 2017


Friday 21 November 2014

A parte que em mim é flecha



A parte que em mim é flecha partiu
para que a âncora parte em mim

pudesse ficar, mais forte.

E o arco retesado da partida vibra
e canta com a ondulação das vagas.
Crepita ao sol como a pedra
de muitos séculos feita eterna.


Sustém-se em tronco de si mesmo
e refaz-se, a cada instante,
na promessa iniciática da semente
que se quebra para oferecer ao mundo

o perfume do seu possível.


Saturday 1 June 2013

Coisas para ensinar ao filho Francisco e Enquanto é Tempo, de Alberto de Serpa


Coisas para ensinar ao filho Francisco:

Namorar
Dançar
engomar camisas
cozinhar
falar com os animais
Que o mundo é muito grande
mas cabe todo num livro chamado Atlas
A conhecer fruta madura pelo cheiro
a fazer contas de cabeça
a pensar duas vezes antes de perder a cabeça
Que aquilo que é igual no homem e na mulher é amor
que aquilo que é diferente é possibilidade
Mostrar o pôr-do-sol e o barulho do mar às namoradas
(ou aos namorados)
que as pessoas têm cores diferentes
porque Deus tem uma imaginação muito grande
Mas que no fundo do coração das pessoas
existem as quatro cores primárias:
o amor, o medo, a coragem e o ódio
Que as pessoas boas sabem quando fazem mal
...e ficam aflitas!
que as pessoas felizes sonham com música e que voam
a dizer obrigado de muitas maneiras
a dizer amo-te de mais de mil
a ter paciência
a resistir
a não desistir.


Enquanto é tempo...


Faz da vida o que o teu desejo quiser...
Se queres filho, quebra os teus soldados felizmente pacíficos,
Desventra o teu palhaço onde aprendeste as cores,
Rasga os livros com histórias de vidas que não são deste mundo,
Faz chocar os teus comboios em que não podes partir,
Afunda os teus barcos que piratas não assaltam.
Se queres o ar puro, filho, abre a porta, respira-o!
Põe o sol a brilhar sobre a tua cabeça onde não há pensamentos
que o afastem,
Corre pelos caminhos fora, na liberdade de que serás saudoso,
Lança livremente para os céus os gritos que manda o teu entusiasmo,
Rebola o teu corpo sobre a areia doirada da praia,
E dá-o à carícia inconsciente e brava do mar.
Depois, mais tarde, a vida faz de ti o que quiser...


In Poesia de Alberto de Serpa

Monday 29 April 2013

A liberdade nasce como a nova pele de uma cobra



As bocas caladas de espanto
Geraram gritos abafados de susto
E os olhos rasos de medo encheram
corações de pranto. Corpos imóveis
em pânico correram num grito último de perigo
e o sangue que gelara por dentro
aqueceu o passo e rompeu com o vento.
A carne e a pele para trás ficaram
esquecidas na poeira do tempo.
Na corrida desenfreada a ansiedade
perdeu-se do medo e o próprio susto
esqueceu-se de onde vinha.
O espanto de haver sobrevivido deu lugar
a uma imensa alegria e o prazer
do corpo reencontrado fez nascer
uma nova vida. Caos, liberdade e ousadia
trouxeram a música, a voz e com ela,
a nostalgia: saudade de um futuro próximo
em que juntos na mesma dança,
cada um se exprimia.
Libertada a dança, nasceu a poesia
Como um espelho onde muitos corpos se reviam.
Com novas peles e novos fados
tentaram recordar o que haviam passado,
inventando assim novos nomes
para que nunca esquecessem o susto
que levariam se tornassem a ficar
espantados algum dia.


escrito nalgum dia de Abril

Sentimento de mim




     
Longas fugas eternas inigualáveis de mim mesma, do destino ou da memória daquilo que foi e sempre será. Súbita fome do que já senti, do estado da minha alma a cada dia, a cada momento, entrelaçado com as recordações e os sonhos. 
Lembranças que caem como chuva nos ombros pesados de tempo e de vida. Ombros que se voltam decididos à mínima corrente de ar dos novos desejos.       


Friday 8 March 2013

Para mais um dia de luta



 Hoje e sempre luto pela verdade das emoções 
pelo lindo cambiante de sentimentos que um ser 
em sintonia consigo mesmo se permite viver. 
Pelo fim da intolerância e da incompreensão 
à sensibilidade dos outros. 

Pelas mulheres que carregam o amor, o trabalho, 
a casa e as histórias nos ombros e pelos homens 
que as acompanham e ajudam 
nesse papel de guardiãs da vida. 

Luto por uma sociedade mais alegre e mais justa, 
onde o poder de construir é maior que o de destruir 
sendo este necessário para que o primeiro aconteça, 
mas não um fim em si mesmo. 

Luto todos os dias: sem procurar inimigos, 
mas aceitando a culpa, a frustração e a impotência 
dentro de mim. 

Luto com a consciência e com a esperança 
de que não estou só; de que esta luta 
é um caudal onde eu mergulho e me alimento, 
de onde saio mais forte e cheia de orgulho. 

Luto, não contra, mas pelo direito à existência 
das minhas nuvens negras. 
Luto pela vida.