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Thursday 5 February 2009

Idosos


Gosto dos idosos. Gosto da pele deles quando já está muito lisa, usada, gasta, mas polida, bonita. Gosto das rugas das mãos e do rosto. O toque das mãos que é sempre preciso, mesmo quando trémulo; que é sempre cuidadoso, suave, pausado. Tem tanto de peso como de leveza. É a medida exacta que o tempo depurou. Assim como a expressão dos seus rostos – descansada – sem o artifício contorcido da luta pela sobrevivência quotidiana. Por vezes consegue perceber-se fugaz essa expressão no rosto de quem ainda luta; para, logo depois, se apagar para a retoma das coisas necessárias da vida. Enquanto ainda são necessárias; enquanto ainda acreditamos nelas. Enquanto ainda acreditamos que é isso que determina a nossa importância e o nosso destino. Na expressão dos idosos há qualquer coisa de longo, de constante; qualquer coisa de iluminado que se mostra com uma translucidez imediata e que nos chama e nos acalma, porque nos diz exactamente aquilo que pensamos que é: a vida. No fim, um dia, tudo será assim... Para quê a pressa?

Sunday 1 February 2009

O sagrado e o profano



Sabem o que é a água pura de nascente? Aquela que, mesmo bebida em cima de uma refeição rica e fumegante, nunca pesa no estômago? Não sabe a nada. Não cheira a nada. É apenas e só frescura em estado líquido. Uma transparência cristalina. Uma brisa simples e desejada que nos percorre o corpo e é transportada dentro dele para os sítios certos, onde ele mais necessita. Pois estou a lembrar-me dessa água que bebi há tempos – como se de um licor raro e último se tratasse – porque a limpidez do ar aqui e agora à minha volta é assim. Tal e qual como essa água pura, sempre fresca. Como se não existisse nada, absolutamente nada, entre mim e o céu. Que me perdoem os cientistas, que tanto trabalho tiveram a decompor este ar em partículas, moléculas, elementos químicos. Mas para mim, de facto, é como se nada disso existisse. Apenas o céu – que é o limite. Ainda para mais estamos num daqueles dias azuis e quentes de Primavera, de modo que nem uma nuvem sequer para desafiar essa curiosidade científica em saber da composição do mais improvável dos quatro elementos. O ar não é como a terra que agarramos com as mãos, nem como o fogo que nos abafa e queima, nem como a água que nos veste e alimenta. Sinto-me envolvida em nada! Que sensação estranha e maravilhosa. Nada me oprime. Nada me divide ou separa do resto do mundo. E creio que esta sensação de unidade, como uma plenitude recatada, tem qualquer coisa de sagrado. É um sentimento antigo extremamente calmo e natural. E há uma religiosidade nisto, porque aquela água e aquele ar – tal como o que Artaud descrevia como o lado mais fresco da almofada – são Deus.