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Sunday 1 February 2009

O sagrado e o profano



Sabem o que é a água pura de nascente? Aquela que, mesmo bebida em cima de uma refeição rica e fumegante, nunca pesa no estômago? Não sabe a nada. Não cheira a nada. É apenas e só frescura em estado líquido. Uma transparência cristalina. Uma brisa simples e desejada que nos percorre o corpo e é transportada dentro dele para os sítios certos, onde ele mais necessita. Pois estou a lembrar-me dessa água que bebi há tempos – como se de um licor raro e último se tratasse – porque a limpidez do ar aqui e agora à minha volta é assim. Tal e qual como essa água pura, sempre fresca. Como se não existisse nada, absolutamente nada, entre mim e o céu. Que me perdoem os cientistas, que tanto trabalho tiveram a decompor este ar em partículas, moléculas, elementos químicos. Mas para mim, de facto, é como se nada disso existisse. Apenas o céu – que é o limite. Ainda para mais estamos num daqueles dias azuis e quentes de Primavera, de modo que nem uma nuvem sequer para desafiar essa curiosidade científica em saber da composição do mais improvável dos quatro elementos. O ar não é como a terra que agarramos com as mãos, nem como o fogo que nos abafa e queima, nem como a água que nos veste e alimenta. Sinto-me envolvida em nada! Que sensação estranha e maravilhosa. Nada me oprime. Nada me divide ou separa do resto do mundo. E creio que esta sensação de unidade, como uma plenitude recatada, tem qualquer coisa de sagrado. É um sentimento antigo extremamente calmo e natural. E há uma religiosidade nisto, porque aquela água e aquele ar – tal como o que Artaud descrevia como o lado mais fresco da almofada – são Deus.


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